Os chatos têm razão
No início do mês, a Federação Internacional de Automobilismo anunciou um acordo para hospedar o Grande Prêmio da Europa na Espanha a partir de 2008. Porém, diferente do que já havia acontecido há alguns anos na terra do bicampeão Fernando Alonso, a corrida não acontecerá em Jerez de la Frontera, e sim, em Valência.
A cidade, que já conta com o autódromo Ricardo Tormo (foto), irá ganhar um novíssimo e charmoso traçado de rua na zona portuária. O investimento virá dos cofres públicos locais, sob a alegação de que a chegada da Fórmula 1 à cidade irá ajudar a vender a capital da Comunidade Valenciana para o mundo. Foi o suficiente para que uma horda de chatos surgisse do nada para reclamar, como sempre.
Como de praxe, muita gente criticou a decisão de Valência – especialmente os próprios valencianos. Não faltou quem pedisse que os representantes locais investissem mais em outras prioridades (o transporte público foi um dos citados). E apesar de ser uma opinião repetida ad nauseum nos quatro cantos do mundo, não dá para tirar a razão de quem cobra mais atenção a questões básicas, sejam elas de saneamento básico na Índia ou de desemprego na França, ao invés de baixar a cabeça para grandes jogadas.
É uma dialética com a qual já convivemos há muito tempo no Brasil. Em 69, quando marcou o milésimo de seus 1282 gols, Pelé “comemorou” em meio a repórteres ensandecidos pedindo mais atenção às criancinhas. Mas nem mesmo o alerta dado pelo Rei em um dos momentos mais importantes do futebol mundial serviu para que evitássemos um fiasco anunciado como os Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro. Independente do sucesso esportivo da competição, um evento que simplesmente ignora o orçamento inicial, como fez o Pan, não pode ser levado a sério.
Convenhamos: o Rio de Janeiro tem problemas mais prioritários do que construir um novo estádio (belíssimo, reconheçamos) ou reformar uma série de instalações esportivas. Inicialmente, o prefeito César Maia (DEM-RJ) alegava que os cariocas ganhariam muito com o Pan, que ajudaria a desenvolver setores como o transporte público da cidade, entre outras balelas. Como viu que não colou, o prefeito apareceu na propaganda de seu partido empunhando a bandeira de “Pan do Brasil” e afirmando que a competição das Américas é o passo definitivo para o projeto dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016.
Pronto. Depois dos projetos Brasília-2000, Rio-2004, Rio-2012 e Copa do Mundo de 2014, também embarcaremos nessa. Coisa de países emergentes, como China, Índia e Brasil, que escondem seu sem-número de problemas básicos com obras suntuosas, ausentes até mesmo em países desenvolvidos. Talvez César Maia nem saiba, mas o Tribunal de Contas da União já avaliou as cifras e as estruturas esportivas do Pan do Rio – e só do Rio – como olímpicas. E isso nem é bom.
O que ganhamos com isso? Receberemos o Pan em julho, a Copa em 2014, as Olimpíadas em 2016, a sede da ONU em 2030 e o Rio irá virar capital do mundo em 2047? Se o Brasil deixar de ser desigual, violento e pobre até lá, OK. Mas se César Maia já leu Mein Kampf (Minha Luta), de Adolf Hitler, talvez tenha levado muito a sério o início do segundo capítulo, que diz que “o Estado é um meio, e não um fim”.
Escrito em 1926, o livro das teorias de Hitler é um festival de bizarrices que, em resumo, defende que uma nação é o reflexo da superioridade de uma raça mais pura. De acordo com Hitler, “a condição essencial para a formação de uma humanidade superior não é o Estado, mas a raça”. País de mestiços, o Brasil não tem condições de adotar uma política tão descabida quanto à “purificação” e “seleção” racial. Como alternativa, parece buscar sua afirmação como nação fazendo festa e carnaval, ao invés de buscar políticas eficientes para violência, educação, desemprego, saúde, educação, miséria, transportes...
O Brasil é um país de heróis como Zagallo e que passa tempo demais discutindo a camisa do “técnico” de nossa “seleção”. Não admira que uma competição como os Jogos Pan-americanos ganhem tanta importância por aqui, terra na qual uma portuguesa coloca um chapéu de frutas para dançar e ganha o mundo dizendo “bananas is (sic) my business”. No fim, certo está o valenciano chato, que pede mais atenção ao transporte público do que à Fórmula 1.
Adicionais
- Alguém sabe onde a FIA pretende colocar tantas corridas nos próximos anos? Só se escuta falar de GP da Índia, de Valência, da Coréia do Sul, de Cingapura, da Rússia, dos Emirados Árabes...
- Aliás, pela lista de países, a gente vê que o Brasil não é o único emergente a esconder seus problemas com obras suntuosas.
- Será que Valência precisa mesmo da Fórmula 1 para se vender para o mundo? Receber a Copa Louis Vuitton, por exemplo, não basta?
- Crônica da morte anunciada: por conta da entrada do banco Santander como principal patrocinador, a McLaren já havia feito a apresentação de seu carro neste ano nas ruas de Valência, possivelmente em traçado parecido com o que deve ser visto pelas demais equipe nos ano que vem. Que diferença não faz um Fernando Alonso, não?
- Para quem quiser acompanhar mais da sem-vergonhice do Pan, recomendo o Blog do Juca Kfouri e o A Verdade do Pan. Sem temnovidade sujeirada por lá.
- Por fim: alguém duvida da possibilidade de termos Pelé à frente do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2014? Afinal, alguém tem que distrair a festa para que os convidados não vejam o que se passa na cozinha.
Imagens: Derapate.it (Circuito Ricardo Tormo) e World Stadiums (Engenhão)
A cidade, que já conta com o autódromo Ricardo Tormo (foto), irá ganhar um novíssimo e charmoso traçado de rua na zona portuária. O investimento virá dos cofres públicos locais, sob a alegação de que a chegada da Fórmula 1 à cidade irá ajudar a vender a capital da Comunidade Valenciana para o mundo. Foi o suficiente para que uma horda de chatos surgisse do nada para reclamar, como sempre.
Como de praxe, muita gente criticou a decisão de Valência – especialmente os próprios valencianos. Não faltou quem pedisse que os representantes locais investissem mais em outras prioridades (o transporte público foi um dos citados). E apesar de ser uma opinião repetida ad nauseum nos quatro cantos do mundo, não dá para tirar a razão de quem cobra mais atenção a questões básicas, sejam elas de saneamento básico na Índia ou de desemprego na França, ao invés de baixar a cabeça para grandes jogadas.
É uma dialética com a qual já convivemos há muito tempo no Brasil. Em 69, quando marcou o milésimo de seus 1282 gols, Pelé “comemorou” em meio a repórteres ensandecidos pedindo mais atenção às criancinhas. Mas nem mesmo o alerta dado pelo Rei em um dos momentos mais importantes do futebol mundial serviu para que evitássemos um fiasco anunciado como os Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro. Independente do sucesso esportivo da competição, um evento que simplesmente ignora o orçamento inicial, como fez o Pan, não pode ser levado a sério.
Convenhamos: o Rio de Janeiro tem problemas mais prioritários do que construir um novo estádio (belíssimo, reconheçamos) ou reformar uma série de instalações esportivas. Inicialmente, o prefeito César Maia (DEM-RJ) alegava que os cariocas ganhariam muito com o Pan, que ajudaria a desenvolver setores como o transporte público da cidade, entre outras balelas. Como viu que não colou, o prefeito apareceu na propaganda de seu partido empunhando a bandeira de “Pan do Brasil” e afirmando que a competição das Américas é o passo definitivo para o projeto dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016.
Pronto. Depois dos projetos Brasília-2000, Rio-2004, Rio-2012 e Copa do Mundo de 2014, também embarcaremos nessa. Coisa de países emergentes, como China, Índia e Brasil, que escondem seu sem-número de problemas básicos com obras suntuosas, ausentes até mesmo em países desenvolvidos. Talvez César Maia nem saiba, mas o Tribunal de Contas da União já avaliou as cifras e as estruturas esportivas do Pan do Rio – e só do Rio – como olímpicas. E isso nem é bom.
O que ganhamos com isso? Receberemos o Pan em julho, a Copa em 2014, as Olimpíadas em 2016, a sede da ONU em 2030 e o Rio irá virar capital do mundo em 2047? Se o Brasil deixar de ser desigual, violento e pobre até lá, OK. Mas se César Maia já leu Mein Kampf (Minha Luta), de Adolf Hitler, talvez tenha levado muito a sério o início do segundo capítulo, que diz que “o Estado é um meio, e não um fim”.
Escrito em 1926, o livro das teorias de Hitler é um festival de bizarrices que, em resumo, defende que uma nação é o reflexo da superioridade de uma raça mais pura. De acordo com Hitler, “a condição essencial para a formação de uma humanidade superior não é o Estado, mas a raça”. País de mestiços, o Brasil não tem condições de adotar uma política tão descabida quanto à “purificação” e “seleção” racial. Como alternativa, parece buscar sua afirmação como nação fazendo festa e carnaval, ao invés de buscar políticas eficientes para violência, educação, desemprego, saúde, educação, miséria, transportes...
O Brasil é um país de heróis como Zagallo e que passa tempo demais discutindo a camisa do “técnico” de nossa “seleção”. Não admira que uma competição como os Jogos Pan-americanos ganhem tanta importância por aqui, terra na qual uma portuguesa coloca um chapéu de frutas para dançar e ganha o mundo dizendo “bananas is (sic) my business”. No fim, certo está o valenciano chato, que pede mais atenção ao transporte público do que à Fórmula 1.
Adicionais
- Alguém sabe onde a FIA pretende colocar tantas corridas nos próximos anos? Só se escuta falar de GP da Índia, de Valência, da Coréia do Sul, de Cingapura, da Rússia, dos Emirados Árabes...
- Aliás, pela lista de países, a gente vê que o Brasil não é o único emergente a esconder seus problemas com obras suntuosas.
- Será que Valência precisa mesmo da Fórmula 1 para se vender para o mundo? Receber a Copa Louis Vuitton, por exemplo, não basta?
- Crônica da morte anunciada: por conta da entrada do banco Santander como principal patrocinador, a McLaren já havia feito a apresentação de seu carro neste ano nas ruas de Valência, possivelmente em traçado parecido com o que deve ser visto pelas demais equipe nos ano que vem. Que diferença não faz um Fernando Alonso, não?
- Para quem quiser acompanhar mais da sem-vergonhice do Pan, recomendo o Blog do Juca Kfouri e o A Verdade do Pan. Sem tem
- Por fim: alguém duvida da possibilidade de termos Pelé à frente do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2014? Afinal, alguém tem que distrair a festa para que os convidados não vejam o que se passa na cozinha.
Imagens: Derapate.it (Circuito Ricardo Tormo) e World Stadiums (Engenhão)
Ah, Mané! Vc sabe que eu sou menina e sou chta, né?
Pois é, e eu sei q Pelé fez o milésimo em 79. hahahahaha
Bom pentelhar o cara q mais tem camisas d futebol no 3JOC mesmo com algo irrelevante pra o texto :P
Posted by Anônimo | quinta-feira, julho 19, 2007