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Rumo a Tóquio

O futebol não é emocionante pra quem só acompanha São Paulo e Flamengo disputando a Taça das Bolinhas, ou para quem acha que o Chelsea e o Milan têm torcida. Nããão... O futebol de verdade está em jogos de XV de Piracicaba, Nacional de Patos, Barras-PI, Crac, Hermann Aichinger-SC e de tantos outros times menores que a TV – fora a Rede Vida – não exibe.

O futebol de verdade esteve presente no dia 11 de novembro de 2007, no Estádio Eduardo José Farah, em Presidente Prudente. Na manhã de garoa fina daquele domingo, os laranjas do Oeste Paulista e os alvirrubros da Itapirense fizeram o segundo jogo da final da Série B do Campeonato Paulista. E a Série B do Campeonato Paulista é mais do que um campeonato; é um mundo à parte.

O contexto

São nada menos do que 48 times, representando todo o estado de São Paulo naquele que talvez seja o maior campeonato estadual do país. E isso porque a Série B, chamada também de Segunda Divisão, é equivalente apenas à quarta divisão do Paulistão – está abaixo das séries A-1, A-2 e A-3. Para situar vocês do tamanho deste campeonato, cada uma das divisões superiores tem 'apenas' 20 times.

Os 48 times são divididos em seis grupos regionalizados com oito equipes cada, de forma que nenhuma equipe mais fraca tenha que atravessar o estado logo de cara. O Oeste Paulista estava no Grupo 1, ao lado de Tupã, Atlético Araçatuba, Ranchariense, Presidente Prudente, Assisense, Ilha Solteira e Paraguaçuense. Com 10 vitórias e dois empates em dois jogos, o Opec passou pela primeira fase como líder da chave, sem muitas dificuldades.

Houve facilidade também na segunda fase, quando o time laranja terminou o Grupo 7 na primeira colocação. Para trás, ficaram Atibaia, Inter de Bebedouro, Velo Clube, Elosport e Osasco. Foram 10 jogos, com seis vitórias e dois empates. Já estávamos entre os oito melhores da divisão, e bem próximos do acesso à Série A-3 – aquela de 20 clubes.

A participação no Grupo 11 começou bem, com um empate fora de casa (2 a 2 contra o Ecus) e duas vitórias em casa (2 a 1 no Força e no Lemense). A coisa complicou quando o time perdeu duas partidas fora de casa (3 a 0, novamente frente ao Força e ao Lemense), mas uma vitória por 2 a 1 no Esporte Clube União Suzano em pleno Prudentão garantiu o time no módulo superior do Paulistão. De quebra, uma combinação de resultados deu à Laranja Mecânica (nós) a liderança da chave e a chance de disputar a final contra a Itapirense, líder do Grupo 12.

As duas equipes empataram em 1 a 1 o primeiro jogo em Itapira e o título seria decidido em Presidente Prudente. O Opec jogaria em casa, com a vantagem do empate (por ter feito melhor campanha na primeira fase) e como favorito à vitória. Uma derrota teria uma proporção tão cataclísmica que a eventualidade já era chamada de Prudentanazzo.

“Abrem-se as cortinas, e começa o espetáculo!”

Eu dei sorte de tirar folga no trabalho e decidi que seria a oportunidade de acompanhar o time da minha cidade no dia mais importante de sua curta história. Era a primeira vez que eu assistiria o Opec in loco – já que o carro do Luiz quebrou na tentativa anterior, à caminho do estádio – e a primeira vez que eu assistiria um time da minha cidade ser campeão. Nunca antes, com Corinthians de Prudente ou com a Prudentina, eu tive a honra.

Por isso, decidi chamar o Luiz de novo, mas esses compromissos imbecis das faculdades o seguraram em Maringá. Decidi então chamar o Fernando, irmão dele e que faz parte da Força Jovem Oeste Paulista. Combinamos que eu apareceria na casa dele no domingo de manhã, e de lá iríamos para a marcha triunfal do Oeste Paulista.


Assim combinamos, assim foi feito. Deixei meu carro em frente à casa dos Costa e o pai dos meninos nos levou. Chegamos com um pouco de atraso, e ainda encaramos fila para comprar o ingresso a cinco mangos – final da quarta divisão é isso aí! Quando adentramos o setor verde do Prudentão, nos deparamos com umas 5 mil pessoas e com o jogo rolando.

De um lado, Michael; Nuno, Ramon e Thiago Lobó; Rodriguinho, Jordi Guerreiro, Juninho, Vitor, Itamar; Jaime e o artilheiro Tarabai representavam o time da casa, comandado por Juliano Gerlin. Do outro, Evandro; Richard, Dinho, João Paulo e Dick; Batista, Willian, Veiga e Marcinho; Ricardinho e Faísca atendiam às ordens de Paulinho Ceará, treinador da simpática Esportiva Itapirense – que não trouxe muita torcida (vide foto). O árbitro era Élcio Paschoal Borborema.

O jogo começou morno e contrastava com o dia frio. Como a pouca ação em campo se resumindo às tentativas de Itamar, era bem mais legal observar a movimentação do estádio. A torcida do time tem duas baterias para incentivar, sendo uma composta basicamente por adolescentes chatos de escolas particulares que fingem que tocam (foto) e outra bem melhor, que mora perto do estádio e que manja do tum-qui-ti-cum-dum. Os cantos da torcida não diverge muito dos que são copiados das organizadas de São Paulo ou dos clássicos “lêêêê, lê-lê-ô, lê-lê-ô, lê-lê-ô, lê-lê-ô, Oeste!”. No fosso do Prudentão, a molecadinha se divertia brincando de rebelião em um quiosque desativado e com cara de cadeia.


O jogo esteve desanimado até os 34 da etapa inicial, quando Tarabai arriscou um chute de longe que o goleiro Evandro aceitou. Delírio da torcida laranja, que promoveu uma bizarra avalanche em um estádio vazio, rumo ao alambrado. Do outro lado do estádio, no setor amarelo ocupado pela torcida itapirense, a garrafa gigante de Guaraná Funada – torcendo descaradamente para os visitantes – tentava se animar.

Momento antes e depois: Itapirense sente o crescimento (opa!) da
garrafa de guaraná após o acréscimo de guaraná da Amazônia na fórmula.


O apoio do guaraná fez efeito, e a Itapiriense empatou três minutos depois, em cabeçada indefensável do craque Faísca. O resultado ainda dava o título ao Oeste Paulista, mas a sensação de Maracanazzo Caipira começava a preocupar alguns dos torcedores.

Até que Élcio Paschoal Borborema encerrou o primeiro tempo.

Show do Intervalo

Os 20 minutos entre um tempo e outro serviram para que Fernando e eu déssemos uma volta pelo Prudentão lotado. A certeza de encontrar um conhecido era grande, mas não houve nenhum encontro inesperado no intervalo. De fato, tudo o que fizemos foi comprarmos uma garrafa de Guaraná Funada cada um. Um dos quiosques do estádio vendia a camisa nova do Opec a 60 mangos, enquanto um palhaço da prefeitura (!!!) distribuía bandanas da Samsung (!!!!!!!), solenemente rejeitadas pela torcida.

É claro que tudo isso se tornou obsoleto quando eu avistei um tiozinho com a camisa do Novorizontino. Considerando-se que o time está licenciado do futebol profissional desde 99, encontrar uma camisa aurinegra por aí é uma verdadeira raridade.

É claro também que eu encostei no tiozinho, interrompi sua conversa e pedi para tirar uma foto. Ele topou e fez pose comigo. Comovido, eu convidei o amigo dele para sair na foto com a gente. Péssima idéia.

E o imbecil aqui mal saiu na foto!


Enquanto isso, a ação no campo estava prestes a retornar a plenos pulmões. Antes que perdêssemos o apito inicial, Fernando e eu corremos para os nossos lugares – não que faltassem outros até melhores na arquibancada, longe disso. Os 45 minutos finais estavam prontos para se desenrolar.

“Autoriza o árbitro!”

A etapa decisiva, mais uma vez, foi mais de observação do que de futebol. A imberbe organizada continuava com seus cantos e a garrafa gigante continuava rígida sob o efeito de guaraná da Amazônia. A garoa apertou um pouco mais, mas logo cessou. O temor pelo Prudentanazzo ainda era latente, mas foi embora junto com a ameaça de chuva.

Isso porque aos 16 minutos, enquanto o céu se abria de maneira quase simbólica, o árbitro apitava um pênalti para o Oeste Paulista. O time atacava pelo flanco direito, mas Tarabai – eu acho – foi derrubado assim que entrou na área. Mão apontada para a marca da cal (provavelmente Votorantim), e bola a 9,15m da baliza alvirrubra da Esportiva. Na cobrança, o camisa 11 Jaime.

Era o momento de fulminar, de fazer o que o trio Ademir-Jair-Chico não havia feito há 57 anos. A torcida pedia seu gol. Jaime tirou as mãos da cintura e correu em câmera lenta.



O encontro da bola com a rede foi a fagulha que explodiu a torcida. Jaime correu para o alambrado, virou-se de costas e apontou os polegares para o número 11 de sua camisa. A molecada – inclusive eu, que mal sabia quem era o Jaime – estava pendurada no alambrado, vibrando como se aquele gol tivesse dado o título da Copa do Mundo para nós. E, de certo modo, era isso mesmo.

A partir daí, os minutos se arrastaram em tentativas dos dois times e de gritos de olé vindos dos quase 5 mil prudentinos presentes. Os garotos se penduravam no alambrado e tomavam um toma-jeito da Polícia presente. Já era quase uma da tarde quando o árbitro pediu a bola. Éramos os campeões da quarta divisão.

“Acabooou! É tetraaaa!”


O fim do jogo não foi o início da festa, que já havia começado minutos antes. Os jogadores se juntavam a nós no alambrado. A essa altura, não haveria policiamento que contivesse a turba. Jaime, Nuno e Juliano Gerlim há muito haviam cedido e comemoravam conosco.

A Federação, estranhamente, não abriu o portão de acesso ao gramado – o que parece ter sido uma idéia inteligente, já que a passagem era perigosamente pequena para tanta animação. Decepcionante foi o palco montado lá do outro lado do gramado, o que impossibilitou oficializar a festa mais perto de nós. O time atravessou o gramado do Prudentão para receber o troféu, enquanto nós esfriávamos os ânimos do lado de cá.


Foi aí que Clóvis me achou, em um daqueles encontros que não aconteceram no intervalo. Conversamos e comemoramos juntos. O Oeste, medalhado, iniciava sua volta olímpica. Loucura de Fernando, minha e dessa gente sofrida, meu Deus! Olhem as criancinhas!

Way back home

A missão estava cumprida, e Fernando e eu precisávamos ir para casa. É claro que eu não deixaria de pegar um churros de doce de leite a R$ 1,50. E depois de eu insistir para irmos a pé ao estádio, já que é mais charmoso, descobri que teríamos que voltar caminhando. Nada ruim, já que a distância não é tão longa e o sol havia desistido de acordar naquele domingo.

Palhaçadas, igrejas de nomes estranhos, caminhos errados e pouca voz depois, nós estávamos de volta ao Jardim Paulista, onde eu havia deixado meu carro, onde Fernandinho enterrou seu coração e onde havíamos sidos deixados para fora de casa. Calhou de que o pai dele havia ido nos buscar, como nós combinamos e esquecemos. Risadas de todo mundo, convites para almoçar e a felicidade reservada aos campeões.

Que passaram em frente à casa dos Costa, carregando o troféu no banco de trás de um Cross Fox. Nossa camisa ganhou uma buzinadinha.

Era muito bom ser campeão.

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