17 junho 2007

Os chatos têm razão

No início do mês, a Federação Internacional de Automobilismo anunciou um acordo para hospedar o Grande Prêmio da Europa na Espanha a partir de 2008. Porém, diferente do que já havia acontecido há alguns anos na terra do bicampeão Fernando Alonso, a corrida não acontecerá em Jerez de la Frontera, e sim, em Valência.

A cidade, que já conta com o autódromo Ricardo Tormo (foto), irá ganhar um novíssimo e charmoso traçado de rua na zona portuária. O investimento virá dos cofres públicos locais, sob a alegação de que a chegada da Fórmula 1 à cidade irá ajudar a vender a capital da Comunidade Valenciana para o mundo. Foi o suficiente para que uma horda de chatos surgisse do nada para reclamar, como sempre.

Como de praxe, muita gente criticou a decisão de Valência – especialmente os próprios valencianos. Não faltou quem pedisse que os representantes locais investissem mais em outras prioridades (o transporte público foi um dos citados). E apesar de ser uma opinião repetida ad nauseum nos quatro cantos do mundo, não dá para tirar a razão de quem cobra mais atenção a questões básicas, sejam elas de saneamento básico na Índia ou de desemprego na França, ao invés de baixar a cabeça para grandes jogadas.

É uma dialética com a qual já convivemos há muito tempo no Brasil. Em 69, quando marcou o milésimo de seus 1282 gols, Pelé “comemorou” em meio a repórteres ensandecidos pedindo mais atenção às criancinhas. Mas nem mesmo o alerta dado pelo Rei em um dos momentos mais importantes do futebol mundial serviu para que evitássemos um fiasco anunciado como os Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro. Independente do sucesso esportivo da competição, um evento que simplesmente ignora o orçamento inicial, como fez o Pan, não pode ser levado a sério.

Convenhamos: o Rio de Janeiro tem problemas mais prioritários do que construir um novo estádio (belíssimo, reconheçamos) ou reformar uma série de instalações esportivas. Inicialmente, o prefeito César Maia (DEM-RJ) alegava que os cariocas ganhariam muito com o Pan, que ajudaria a desenvolver setores como o transporte público da cidade, entre outras balelas. Como viu que não colou, o prefeito apareceu na propaganda de seu partido empunhando a bandeira de “Pan do Brasil” e afirmando que a competição das Américas é o passo definitivo para o projeto dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016.

Pronto. Depois dos projetos Brasília-2000, Rio-2004, Rio-2012 e Copa do Mundo de 2014, também embarcaremos nessa. Coisa de países emergentes, como China, Índia e Brasil, que escondem seu sem-número de problemas básicos com obras suntuosas, ausentes até mesmo em países desenvolvidos. Talvez César Maia nem saiba, mas o Tribunal de Contas da União já avaliou as cifras e as estruturas esportivas do Pan do Rio – e só do Rio – como olímpicas. E isso nem é bom.

O que ganhamos com isso? Receberemos o Pan em julho, a Copa em 2014, as Olimpíadas em 2016, a sede da ONU em 2030 e o Rio irá virar capital do mundo em 2047? Se o Brasil deixar de ser desigual, violento e pobre até lá, OK. Mas se César Maia já leu Mein Kampf (Minha Luta), de Adolf Hitler, talvez tenha levado muito a sério o início do segundo capítulo, que diz que “o Estado é um meio, e não um fim”.

Escrito em 1926, o livro das teorias de Hitler é um festival de bizarrices que, em resumo, defende que uma nação é o reflexo da superioridade de uma raça mais pura. De acordo com Hitler, “a condição essencial para a formação de uma humanidade superior não é o Estado, mas a raça”. País de mestiços, o Brasil não tem condições de adotar uma política tão descabida quanto à “purificação” e “seleção” racial. Como alternativa, parece buscar sua afirmação como nação fazendo festa e carnaval, ao invés de buscar políticas eficientes para violência, educação, desemprego, saúde, educação, miséria, transportes...

O Brasil é um país de heróis como Zagallo e que passa tempo demais discutindo a camisa do “técnico” de nossa “seleção”. Não admira que uma competição como os Jogos Pan-americanos ganhem tanta importância por aqui, terra na qual uma portuguesa coloca um chapéu de frutas para dançar e ganha o mundo dizendo “bananas is (sic) my business”. No fim, certo está o valenciano chato, que pede mais atenção ao transporte público do que à Fórmula 1.

Adicionais
- Alguém sabe onde a FIA pretende colocar tantas corridas nos próximos anos? Só se escuta falar de GP da Índia, de Valência, da Coréia do Sul, de Cingapura, da Rússia, dos Emirados Árabes...
- Aliás, pela lista de países, a gente vê que o Brasil não é o único emergente a esconder seus problemas com obras suntuosas.
- Será que Valência precisa mesmo da Fórmula 1 para se vender para o mundo? Receber a Copa Louis Vuitton, por exemplo, não basta?
- Crônica da morte anunciada: por conta da entrada do banco Santander como principal patrocinador, a McLaren já havia feito a apresentação de seu carro neste ano nas ruas de Valência, possivelmente em traçado parecido com o que deve ser visto pelas demais equipe nos ano que vem. Que diferença não faz um Fernando Alonso, não?
- Para quem quiser acompanhar mais da sem-vergonhice do Pan, recomendo o Blog do Juca Kfouri e o A Verdade do Pan. Sem tem novidade sujeirada por lá.
- Por fim: alguém duvida da possibilidade de termos Pelé à frente do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2014? Afinal, alguém tem que distrair a festa para que os convidados não vejam o que se passa na cozinha.

Imagens: Derapate.it (Circuito Ricardo Tormo) e World Stadiums (Engenhão)

07 junho 2007

De olho em Pavlyuchenkova

Qualquer um que acompanhe um pouco melhor o tênis feminino reconhece que a Rússia tem apresentado algumas das melhores representantes do esporte nos últimos anos. Além de ter Maria Sharapova, Svetlana Kuznetsova e Anna Chakvetadze em excelente momento, o país ainda conta com Dinara Safina, Nadia Petrova, Elena Dementieva e Vera Zvonareva entre as melhores do mundo na atualidade no ranking da WTA, ainda que passando por fases irregulares.

Mas mesmo um celeiro tão fértil quanto o Leste Europeu ainda tem espaço para mais uma revelação. Por isso, o nome de Anastasia Pavlyuchenkova deve ser olhado com atenção nos próximos anos, sob o risco de termos logo outra top ten da WTA e potencial vencedora de títulos importantes.


Não é para menos que se cria tamanha expectativa na Rússia em torno do nome de Pavlyuchenkova. Profissional desde dezembro de 2005, esta tenista destra e fã de quadras de piso rápido deixou uma bela imagem entre as juvenis da ITF, conquistando os Abertos da Austrália (foto) e dos EUA da categoria no ano passado. De quebra, ainda mostrou versatilidade e faturou os títulos de duplas na Austrália, de Roland Garros e de Wimbledon, além do Mundial Juvenil da ITF do mesmo ano.

Não se trata apenas de um belo cartão de visitas, mas dos primeiros resultados de uma longa aposta. Nascida em 3 de julho de 91, Anastasia foi apresentada ao esporte logo aos seis anos pelos pais, Sergey e Marina, ambos treinadores. Até hoje, a mãe é companhia freqüente em suas viagens – a exemplo de seu irmão e técnico, Aleksandr. Ou seja; não é de hoje que a garota dedica seu tempo a se tornar uma das melhores do mundo, o que lhe garantiu uma experiência vasta e precoce, domínio de três idiomas – russo, inglês e tcheco – e o curso paralelo do primeiro ano do Sportivniy Licey, equivalente ao Ensino Médio no Brasil. Todos muito bem administrados, diga-se de passagem.


A russa ainda não conquistou torneios profissionais Tier I ou Tier II da WTA, mas os resultados de sua primeira temporada completa mostram que eles são questão de tempo. Logo em março de 2006, ela caiu nas quartas-de-final do future de São Petersburgo, sua terceira competição oficial, perdendo para a compatriota Alla Kudryavtseva (número 103 do mundo). O resultado não impediu que ela conquistasse o título das duplas no torneio, atuando ao lado de Yulia Solonitskaya.

Pensa que acabou? Em seu retorno às quadras, no mês de maio, foi a vez de conquistar o future de Casale, na Itália, onde ainda ficou com o vice-campeonato da chave de duplas. Na campanha até o título, ela passou pela italiana Anna Floris, principal favorita, logo na segunda rodada; na seqüência, Pavlyuchenkova despachou a também russa Irina Smirnova, sua parceira nas duplas, antes de vencer a final contra a italiana Stefania Chieppa, cabeça-de-chave número dois.

Bem que a russa tentou queimar etapas e arriscar a sorte em torneios WTA antes da hora, mas acabou eliminada logo na estréia do torneio de Moscou, em outubro. A adversária era ninguém menos do que a tcheca Nicole Vaidisova, décima melhor tenista do mundo na atualidade e que levou a melhor com um duplo 6/3. No mês seguinte, Pavlyuchenkova ainda foi vice-campeã do future de Minsk.


Tudo isso fez com que a estreante russa terminasse sua primeira temporada como a número 402 do mundo. Parece ruim? Sua chegada à terceira rodada do qualifying do Aberto da Austrália deste ano (foto) e na segunda rodada do torneio de Minsk mostram que não, jogando esta fã de Ashton Kutcher, Pink e Marcos Baghdatis para a 282ª colocação do ranking da WTA em março, sua melhor posição na curta carreira.

Desde então, Pavlyuchenkova disputou apenas quatro partidas, vencendo uma e perdendo três. Acabou caindo para a 304ª colocação da lista das melhores tenistas profissionais do mundo, o que precisa ser observado com carinho mesmo assim. Se compararmos a posição do ranking no final de sua temporada de estréia com o equivalente de algumas das principais tenistas da atualidade, a jovem revelação russa fica atrás da belga Justine Henin (226ª em 98) e da russa Maria Sharapova (186ª em 2002), mas supera com folga a francesa Amélie Mauresmo (827ª em 94) e a também russa Svetlana Kuznetsova (889ª em 2000). Por isso, não seria surpresa ver Pavlyuchenkova entre as 100 melhores do mundo já neste ano, as 50 melhores em 2008, as 20 melhores em 2009...

Imagens: JuniorTennis.com (Aberto da Austrália 2006), WTA/Divulgação (Perfil) e Aaron Francis/Getty Images (Aberto da Austrália 2007).

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